Já se disse que os generais, pela força da história, estão condenados a repetir as batalhas da guerra anterior, sem perceber que as circunstâncias mudaram. Na semana passada, o Ministério da Saúde e as autoridades estaduais brasileiras admitiram, por atos e palavras, que vinham combatendo a pandemia de gripe suína como se fosse a batalha anterior: a onda de gripe normal que varre o país nos meses de inverno e já foi incorporada sem sobressaltos à rotina das grandes cidades. Não era o caso.
A nova gripe, embora não tenha se mostrado mais letal até o momento, é outra doença, com outras características: ataca jovens saudáveis, é transmitida muito rapidamente, evolui com agressividade e carrega o risco de uma mutação ainda mais virulenta e letal. Parece precisar, enfim, de outra forma de abordagem do ponto de vista da saúde pública. O primeiro sinal de mudança nessa direção foi a decisão, tomada em São Paulo na terça-feira, de adiar até meados de agosto a volta às aulas de 5,3 milhões de estudantes da rede estadual. A medida foi encampada pelas escolas da rede privada, chegou às universidades públicas e foi replicada no Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. No final da semana passada, contava-se no país um total de 11 milhões de estudantes cujas aulas haviam sido adiadas.
PERTO DO VÍRUS
O uso de máscaras é obrigatório no Laboratório Central do Paraná, que começou a fazer os testes da gripe
A outra mudança, que reflete uma autocrítica silenciosa do ministério, foi a decisão de descentralizar a prescrição e a distribuição do oseltamivir, nome genérico do medicamento conhecido comercialmente como Tamiflu, um antiviral que, na ausência de uma vacina, é o remédio mais eficaz para combater o A(H1N1), vírus causador da gripe suína. Até então, apenas uns poucos centros de referência em cada cidade podiam estocar, receitar e oferecer o remédio.
A nova política permite a qualquer médico receitar o produto e ao paciente obtê-lo de graça em hospitais e postos de saúde mais perto de sua casa. “É uma grande novidade para os pacientes”, afirma o epidemiologista David Uip, responsável pelo Hospital Emílio Ribas, de São Paulo, especializado em doenças infectocontagiosas. Ele diz que era “muito ruim” que apenas uns poucos hospitais especializados, como o Emílio Ribas – onde o movimento cresceu cinco vezes desde a chegada da gripe suína –, pudessem receitar o antiviral. O paciente saía do posto de saúde ou do consultório do médico e tinha de procurar um segundo médico, num hospital público, para obter um parecer definitivo.“Agora, o sujeito pega a receita e vai direto apanhar o remédio”, diz Uip.
SEM REMÉDIO
Ivete e Ramon, os pais de Renan (com a foto na camiseta), morto aos 21 anos. Faltaram diagnóstico correto e Tamiflu
Mas essa medida aumenta a responsabilidade de cada médico. “Já existem casos de resistência da gripe suína ao Tamiflu em quatro países”, afirma Uip. “O médico precisa saber que, se receitar o remédio errado, pode estar queimando uma chance de cura do paciente.”
A mudança de procedimento foi anunciada pelo ministério na quinta-feira, depois de vários sinais de que a população não estava tendo acesso ao remédio com a rapidez necessária – além de se sujeitar a aglomerações que poderiam impulsionar a disseminação da doença. “A medida foi adotada para dar agilidade à assistência”, diz Eduardo Hage, diretor de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde. Na mesma quinta-feira, a fábrica da Fiocruz de Manguinhos, no Rio de Janeiro, entregou as primeiras 210 mil doses do remédio encapsuladas no Brasil. Elas serão, agora, distribuídas aos Estados.
Desde que surgiu no México, em abril, bastaram ao vírus A(H1N1) dois meses para dar a volta ao mundo, infectando 135 mil pessoas, e matar mais de 800 pessoas em 160 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse é o lado visível da pandemia. O total de casos é várias vezes maior. As pandemias de gripe ocorrem em ondas sucessivas, geralmente no inverno, quando a doença pode piorar ou abrandar. A questão estratégica que se coloca diante das autoridades sanitárias é desenvolver uma vacina para imunizar a população contra a nova gripe, antes que ela se torne mais letal. Só uma vacina será capaz de conter o vírus – e é importante produzi-la a tempo de enfrentar as próximas ondas de contágio.
Enquanto tal vacina não existe, o centro da polêmica que cerca a pandemia de gripe suína no Brasil é o uso do Tamiflu. O remédio não existe nas farmácias. De acordo com a Roche, seu fabricante, as doses se esgotaram naturalmente, e a política da empresa, diante da pandemia, é fornecer apenas ao Ministério da Saúde. Isso torna a política adotada para receitar e distribuir a droga ainda mais crucial para o sucesso do país no combate à gripe suína.
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