Reconhecimento e melhores sálarios retêm profissionais na universidade
Um estudo coordenado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que apenas 1,9% dos doutores brasileiros vai para o setor industrial. Segundo o IPEA, o Brasil forma em média 10 mil doutores anualmente. O levantamento identificou ainda que 66% desse público atua como professor universitário. Divonir Guzzo, responsável pela pesquisa, diz não ter ficado surpreso com os números. Para ele, o percentual de pesquisadores que atua na indústria não cresce porque as empresas também não mostram interesse por inovação.
"Aproximadamente 75% das organizações no Brasil não fazem esforço significativo para inovação e pesquisa. As indústrias não querem gastar dinheiro em estudos próprios", diz Guzzo. Já João Edgar Schmidt, pró-reitor de pesquisa da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), acredita que o baixo índice de pesquisadores na indústria é reflexo da pouca aproximação entre os setores. "Por cerca de 40 anos, o País investiu em pesquisa e formação acadêmica de qualidade. Hoje, é evidente que há necessidade de transferir esse conhecimento para as indústrias, mas a mudança cultural é lenta", acredita ele.
Essa mudança cultural citada por Schmidt não seria algo de responsabilidade apenas das empresas, mas também deve envolver os próprios doutores. Ele afirma ainda que é mais barato para as indústrias importar tecnologias prontas do que investir para o desenvolvimento de uma nova, mas que isso pode ter efeito contrário a longo prazo. "Essa prática tem custo alto porque depende de importação contínua", alerta ele.
Guzzo chama a atenção ainda para a posição de status que um doutor pesquisador ganha ao publicar artigos. De acordo com ele, o reconhecimento gerado na publicação de artigos não se verificava com a produção de patentes. "Essa é a cultura da educação do meio acadêmico, que deixa os doutores longe de processos industriais", resume ele. Jorge Guimarães, presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), garante que as patentes já são avaliadas pelo órgão. "Esse processo foi implantado para estimular a inovação. Os países que produzem patentes são os que têm indústrias de ponta", declara ele.
Guimarães destaca a importância de contar com pesquisadores dentro da indústria. "As empresas não conseguem conversar com o setor acadêmico porque não há profissionais qualificados para a discussão", critica ele. No entanto, Guimarães considera que o Brasil já alcançou algumas mudanças. "A área de engenharia tem avanços nesse sentido. Uma parte da força de trabalho das empresas é dessa área", diz o presidente da Capes.
Mais pesquisadores na indústria
Para colaborar com a migração de pesquisadores das universidades para a indústria, Guimarães recorda que o governo tem projetos de incentivo. "Entidades como Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) têm programas que encorajam a saída do meio acadêmico", garante ele, que diz ainda que o próximo passo é atrair os jovens para essa possibilidade.
Entretanto, segundo Fabiano Gallindo, especialista de Projetos Tecnológicos do Sistema Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), a transição não será fácil. "Será dada ao pesquisador a alternativa de trabalhar para empresas. Porém, os salários da indústria são mais baixos se comparados aos do meio acadêmico e a maneira de trabalhar é diferente", afirma ele. Por causa de tais fatores, Gallindo diz que mesmo com os programas de incentivo, há a possibilidade dos doutores permanecerem nas universidades.
Por outro lado, Schmidt mostra-se otimista quanto ao processo de transferência dos doutores para o setor produtivo. "As universidades já se conscientizaram da necessidade de haver pesquisadores dentro das empresas. Isso pode ser comprovado pelo surgimento das incubadoras e de cursos de empreendedorismo oferecidos pelas instituições, que têm a intenção de colocar em prática os resultados das pesquisas", declara ele. O pró-reitor diz que há países em que 70% dos doutores se concentram na indústria. "Isso seria o ideal para o País", defende ele.
Guimarães partilha da opinião sobre a proporção ideal de pesquisadores em cada setor. "No Brasil ainda estamos longe disso, mas a necessidade já é percebida e as mudanças estão em processo", acredita ele. Gallindo, porém, aposta numa transição mais gradual. "Como será demorado reverter o quadro, é aconselhável promover alianças entre universidades e empresas para que as pesquisas cheguem ao setor industrial", argumenta ele.
De acordo com Guzzo, há empresas que demonstram interesse em realizar tais pactos. "As organizações interessadas em inovação que não têm seus próprios pesquisadores procuram parcerias com grupos de pesquisa de universidades que já desenvolvam estudos no setor", revela ele. O pesquisador diz que ainda não é possível calcular qual o número de doutores adeptos de tal prática e acrescenta que o processo é desconhecido de muitos. "É um recurso válido, mas que não é divulgado", lamenta ele.
O pró-reitor de pesquisa destaca a importância de promover a parceria. "Apenas dessa maneira é possível transferir o conhecimento produzido pela academia para a sociedade. Para que essa passagem seja feita de maneira satisfatória deve haver interlocutores de ambos os lados capazes de se comunicar", avalia Schmidt.
Fonte:UNIVERSIA
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