VOLUME O total de drogas apreendidas neste ano pela Anvisa é oito vezes maior do que em 2008 |
"A máfia dos medicamentos age de modo extremamente sofisticado"
Marcos Cipriano, diretor da Polinter, do Rio de Janeiro
Durante a cirurgia, uma bactéria encontrada na metilcelulose causou uma infecção e posterior cegueira em um olho de Cezar. A bactéria também prejudicou a visão do outro olho, que permanece danificada até hoje. "Uma tragédia acabou se abatendo sobre a minha família", conta Julio. Na época, ele não fez registro formal da ocorrência na Anvisa. Além do seu pai - que vive no Equador e nunca mais quis voltar ao Brasil -, outros 12 pacientes operados de catarata sofreram intoxicação com o medicamento distribuído pela empresa Mediphacos e que teria sido produzido por um fabricante que não tinha registro na agência reguladora brasileira. "Errou a distribuidora, ao comprar um produto pirata, e errou a Santa Casa, que operou meu pai e usou um remédio sem o devido controle", conta o engenheiro.
A Mediphacos nega que a metilcelulose fosse de um fabricante sem registro. O diretor industrial da empresa, Marcelo Camargus, alega que inclusive venceram o processo judicial movido pela Santa Casa. "Temos um controle rigoroso", disse. Procurada, a Santa Casa da Misericórdia não havia respondido até o fechamento desta edição.
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Remédios contra o câncer também são alvo dos bandidos. Há pouco mais de um ano, a Polícia Federal (PF) constatou a falsificação da droga Glivec, indicada para o tratamento da leucemia mieloide crônica. O remédio é um marco na história da luta contra a enfermidade: antes dele, a sobrevida era de no máximo cinco anos. Hoje, há pacientes vivendo há sete, dez anos, graças a seu modo de ação peculiar (ele ataca somente as células cancerígenas, poupando os tecidos saudáveis). Por isso mesmo, o Glivec é largamente consumido. Muitos doentes recorrem à Justiça para ter o direito de receber a medicação gratuitamente. Mas aqueles que por algum motivo não conseguem esse benefício são obrigados a desembolsar R$ 5 mil para comprar apenas uma caixa com comprimidos. É claro que a máfia dos medicamentos enxergou aí uma situação perfeita para aumentar suas vendas: pessoas extremamente ansiosas por uma esperança de vida, mas sem condições de comprá-la ao preço do mercado legal. Nas embalagens apreendidas pela PF no Rio de Janeiro, em Vitória e Porto Alegre, contudo, os produtos continham uma mistura de farinha e corante. A venda de medicamentos ilegais está nas mãos do crime organizado. A rede de receptação, transporte e distribuição é a mesma usada em várias outras modalidades marginais, como o contrabando de armas, drogas, carros ou CDs piratas. "Os criminosos já têm a infraestrutura montada e a utilizam também para distribuir os medicamentos", afirma Ronaldo Pires, gerente jurídico da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. "A estrutura das quadrilhas já tem a sofisticação dos bandos formados pelos traficantes de drogas", afirma Dirceu Raposo, presidente da Anvisa. O delegado Marcos Cipriano, diretor da Polinter e até duas semanas atrás titular da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde Pública do Rio de Janeiro, cita um caso que ilustra bem o padrão a que chegaram os bandidos dos remédios. "Em uma das quadrilhas, o chefão foi ao Paraguai em jatinho fretado para recolher mais de R$ 200 mil em anabolizantes para distribuir em academias do Rio", conta. Grande parte dos produtos ilegais vem do Paraguai (outros fornecedores fortes estão na Bolívia, Argentina e também China). Em geral, eles são descarregados em Mato Grosso e, de lá, vão para grandes metrópoles brasileiras e chegam ao consumidor oferecidos em bancas de camelô, sites da internet ou em farmácias, majoritariamente as de periferia, menos fiscalizadas. Do que se sabe até agora, o principal meio de venda dos medicamentos piratas é a internet. Multiplicamse na rede as ofertas de remédios em sites sem nenhuma segurança, nos quais marcas de altíssima procura são vendidas pela metade do preço ou até menos. Para combater esse crime, a Associação Brasileira de Empresas de Software tirou do ar 5,4 mil páginas da web em que eram vendidos produtos farmacêuticos ilegais. "Na internet, a comercialização é facilitada porque a identificação do criminoso e o controle das vendas são ainda mais difíceis", explica Luiz Paulo Barreto, presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. O mesmo anonimato que protege o bandido em alguns casos estimula o consumidor, como na compra dos produtos contra a disfunção erétil, por exemplo. Quem procura um vendedor ambulante também encontra facilidade na compra. Em camelódromos, como o que existe no centro da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é fácil chegar ao fornecedor de remédios para emagrecer. Bastam algumas perguntas para os vendedores ambulantes e logo aparece alguém oferecendo um produto ilegal. Nas farmácias - teoricamente o lugar mais seguro - o comprador precisa ficar atento. Muitos estabelecimentos já foram flagrados pela polícia vendendo medicamentos irregulares. Embora isso seja mais comum nos estabelecimentos longe dos centros das cidades e menos fiscalizados, os dirigentes da Anvisa admitem que algumas vezes os remédios piratas chegam ao consumidor inclusive por meio dos balcões de estabelecimentos regularizados. O farmacêutico Jaldo Santos, presidente do Conselho Federal de Farmácia, reconhece que o número de profissionais que respondem, na entidade, a processos por venda de remédios ilegais aumentou. "Ficaram em torno de 100 nos últimos cinco anos", afirma. Ele, porém, defende a classe: "Na maioria das vezes, a irregularidade é cometida pelo dono da farmácia e o farmacêutico nem fica sabendo", diz. Fonte: Istoé
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