quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fármacos manipulados têm sido consumidos cada vez mais


Gisele Huf (INCQS) e Francisco José Roma Paumgartten (ENSP) foram os primeiros a se apresentarem na mesa redonda Viabilidade tecnológica da produção de medicamentos manipulados seguros e eficazes, que faz parte da oficina "Medicamentos manipulados: um desafio para a vigilância sanitária". A pesquisadora do INCQS explicou o quanto é difícil se estimar o uso de medicamentos manipulados a partir das receitas ou do consumo da população, e que esse controle é feito a partir do que é vendido nas farmácias. "Esse campo só cresce no Brasil. Cada vez mais a população passa a consumir tais medicamentos sem se preocupar com a qualidade deles".

Gisele revelou que entre os anos de 2000 e 2005 o INCQS recebeu amostras de medicamentos para que fossem feitas análises de seus conteúdos. Nesse período, foram relatados 51 casos de gravidade elevada com respeito ao consumo de medicamentos manipulados, causando oito óbitos – a maioria em crianças – e pelo menos 14 internações hospitalares. Em todos os casos os medicamentos apresentavam ou excesso de quantidade das substâncias prescritas ou até mesmo algumas que não constavam na prescrição original.

A pesquisadora acredita que o papel da agência reguladora será fundamental para mostrar ao paciente que é melhor utilizar o medicamento industrializado, aprovado pela Anvisa e fabricado com rigorosos controles de qualidade, do que se arriscar a tomar medicamentos que possam afetar a sua saúde e colocar sua vida em risco. Informou ainda que seria necessário que a agência criasse listas de substâncias liberadas ou não para manipulação, como uma das formas de controlar o mercado.

Já Francisco Paumgartten apresentou alguns dados estatísticos (em power point) a respeito do crescimento desse mercado no Brasil. Em 1998, existiam apenas 2100 farmácias de manipulação. Esse número mais que dobrou em quatro anos. Em 2002, estavam registradas 5200 farmácias. O mesmo ocorreu com especialistas em manipulação, que nesse período passaram de 8710 para 14560 profissionais.

Em um breve resumo, o pesquisador contou como se iniciou a questão do controle sobre as farmácias de manipulação por parte do governo. Em 2003, foram registrados óbitos de quatro crianças por uso inapropriado de medicamentos manipulados. Eles continham alto teor de clonidina, substância usada como estimulador de crescimento. Com o fato, a Anvisa estabeleceu a resolução RE 1621, que proibia o uso de medicamentos de baixo índice terapêutico. Entretanto, devido a pressões por parte desse mercado, a Anvisa voltou atrás e liberou sua comercialização.
Em 2004, novas mortes ocorreram na Bahia e em São Paulo. Um grupo técnico da Anvisa se reuniu para discutir a reformulação da RDC 33, sobre Boas Práticas de Manipulação. Entretanto, essa regulamentação ainda é falha, motivo pelo qual levou a Agência a instituir a Consulta Pública 31 (PDF), a fim de aperfeiçoar e adequar essa questão para uma melhor política nacional.

Paumgartten destacou ainda as principais diferenças entre medicamentos industrializados (produzidos em larga escala/linha de produção) e manipulados (menor escala e de forma artesanal). Entre os fatores destaca-se a questão do controle de qualidade, que é mais eficaz quando feito em produção de larga escala. "É difícil fazer um controle de qualidade em cima de medicamentos fabricados especialmente para consumo pessoal. Não há como", explicou o pesquisador. Há também a necessidade de se controlar as matérias primas/princípios ativos das substâncias que são utilizadas. Entretanto, afirma, isso é fácil de se fazer nas indústrias, mas nem sempre é possível garantir a qualidade deles nas farmácias de manipulação. E concluiu: "Tudo isso que estamos vendo nessa oficina é apenas uma pequena parte de um problema muito maior que existe em nosso país".

O documento final a ser construído nesta oficina de trabalho será acrescentado à consulta pública da Anvisa, com vistas a contribuir para uma proposta mais para a política de medicamentos manipulados no Brasil.
Fonte: Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP)

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